UMA ELEIÇÃO PARA DEFENDER A DEMOCRACIA

Na história brasileira, as oportunidades para exercício da democracia, ainda que concebida em moldes liberais, foram escassas. Durante a monarquia, somente votavam os que dispunham de posses, no sistema censitário. No longo período, hoje conhecido como primeira república, o poder do voto popular era escasso, dominado pelo coronelismo, influenciado pelo "voto cantado" e com participação ínfima da população. Abstraído o breve hiato da constituinte de 1934, somente tivemos eleições liberais após o Estado Novo. Mesmo neste período, que vai de 1946 até o golpe de 1964, há restrições ao livre exercício do direito de voto, com a cassação do registro de agremiações de esquerda. Com a eclosão da ditadura militar, perderam os brasileiros a possibilidade de votar para Presidente e vivemos largo período de repressão às liberdades públicas. Enfim, com a Constituição de 1988, abriram-se as portas para que os brasileiros pudessem, enfim, participar mais ativamente da vida política.

Se comemoramos 200 anos de independência, lamentamos que a maior parte deles foi marcada por regimes de força; ou seja, o "regime de exceção", em nosso país, foi a regra. É com mais de uma centena de anos que se afirma a democracia liberal em nosso país. Mais que isso: o longo período ditatorial, ultrapassado sem que a nação fizesse uma purgação e reconhecimento dos crimes praticados pelo aparelho repressivo, deixou como herança, em parte da população, a impressão falsa de que, em um regime ditatorial, poderíamos estar, em algum campo de nossa vida, melhor. Salvo as elites que se beneficiaram, a maior parte da população passou necessidades, o desnível social atingiu níveis alarmantes, a corrupção grassou em silêncio, a inflação galgou níveis estratosféricos e a repressão seguiu feroz.


Com todas as imperfeições e defeitos, a democracia liberal é uma conquista da nossa nação, que se inscreve em nosso patrimônio político. Há que se pensar em aperfeiçoá-la, sem abrir mão de seus avanços.


Se esses pensamentos nos ocorrem, é porque, pela primeira vez nos mais de 30 anos que se seguem à Constituição de 1988, os brasileiros estarão, no dia 2 de outubro de 2022, defendendo a manutenção da democracia. Contra os ataques às urnas eletrônicas, ao sistema de Justiça Eleitoral e ao próprio sistema democrático, a sociedade brasileira se vê instada a defender o direito de eleger seus dirigentes e dirigir seus destinos.


É uma eleição acompanhada pelo mundo inteiro e que exige providências inéditas.


Nesta eleição, teremos observadores internacionais e nacionais, ansiosos pelo desfecho e desenrolar de nosso pleito. Na condição de integrante da Associação Juízes para a Democracia, fui convidado a atuar como observador no Estado do Pará; o outro representante estadual é o advogado Hugo Mercês, indicado pela ABJD (Associação Brasileira de Juristas para a Democracia). Ambos temos credenciais do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), nesta condição, participei da lacração das urnas.


Como observadores credenciados, fomos recebidos pela Presidente do Tribunal Regional Eleitoral, Desembargadora Luzia Nadja Guimarães. O Pará conta com a distinção de ter uma excepcional dirigente à frente de nossa corte eleitoral. Em amistosa conversa, a Desembargadora Luzia Nadja revelou sua preocupação com a dimensão destas eleições e a complexidade das dimensões do Estado, com números espantosos - são quase 85.000 mesários - e dificuldades logísticas que sequer imaginam grande parte dos brasileiros, com urnas ribeirinhas, em quilombos e em aldeias indígenas. A Presidenta do TRE garantiu que meios tecnológicos, logísticos e de inteligência estarão afinados para garantir que tenhamos eleições livres, pacíficas e nas quais prevaleça a vontade legítima do povo paraense.


Ao final da tarde, participei de reunião de trabalho com outros observadores e representantes de entidades internacionais e nacionais; dentre eles, na América Latina, Estados Unidos e Alemanha. Como falei, os olhos do mundo estão no Brasil.


Que nosso domingo cívico seja, como deve ser, uma festa da democracia e a consagração da vontade popular. A missão de observação estará atenta para cumprir sua missão.


Para muitos brasileiros e brasileiras, a luta pela democracia custou a perseguição política, a tortura e o exílio; neste domingo, apenas um gesto é necessário: o nosso voto consciente, para manter e perpetuar nossa democracia.


(Artigo publicado no jornal "O Diário do Pará" em 2 de outubro de 2022)

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